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7. Conclusões
Na íntegra - Págs. 160 e 170.
Gostaria de concluir com duas observações: fazer uma tese significa divertir-se, e a tese é como porco: nada se desperdiça.
Quem quer que, sem prática de pesquisa e temeroso da tese que não saiba como fazer, tenha lido este livro, pode ficar aterrorizado. Quantas regras, quantas instruções. Impossível sair são e salvo...
E, no entanto, a verdade é bem outra. Para ser exaustivo, tive de supor um leitor totalmente desprovido de tudo, mas cada um de vocês, lendo algum livro, já se apossou de muitas das técnicas de que se falou. Meu livro serviu, não obstante, para recordar todas elas, para trazer à luz da consciência aquilo que muitos de vocês já haviam absorvido sem se dar conta disso. Mesmo um motorista, quando começa a refletir sobre seus próprios gestos, se dá conta de ser uma máquina prodigiosa que em frações de segundo toma decisões de importância vital sem se permitir qualquer erro. No entanto, quase todo mundo sabe dirigir um automóvel, e o número razoável de pessoas que morrem de acidentes na estrada nos diz que a grande maioria consegue sair viva.
Umberto Eco Foto: Wikipédia |
Há uma satisfação esportiva em dar caça a um texto que não se encontra, há uma satisfação de charadista em encontrar, após muito refletir, a solução de um problema que parecia insolúvel.
Viva a tese como um desafio. O desafiante é você: foi-lhe feita no início uma pergunta a que você ainda não sabia responder. Trata-se de encontrar a solução em um número finito de lances. Às vezes a tese pode ser vivida como uma partida a dois: o autor que você escolheu não quer confiar-lhe o seu segredo, terá de assediá-lo, de interrogá-lo com delicadeza, de fazê-lo dizer aquilo que ele não queria dizer mas que terá de dizer. Às vezes a tese é um puzzle. você dispõe de todas as peças, cumpre fazê-las entrar em seu devido lugar.
Se jogar a partida com gosto pela contenda, fará uma boa tese. Se partir já com a idéia de que se trata de um ritual sem importância e destituído de interesse, estará derrotado de saída. Neste ponto, já o disse no início (e não mo obrigue a repetir porque é que é ilegal), encomende sua tese, copie-a, mas não arruíne sua vida nem a de quem irá ajudá-lo e lê-lo.
Se fez a tese com gosto, há de querer continuá-la. Comumente, quando se trabalha numa tese só se pensa no momento em que ela estará terminada: sonha-se com as férias que se seguirão. Mas se o trabalho for bem feito, o fenômeno normal, após a tese, é a irrupção de um grande frenesi de trabalho. Quer-se aprofundar todos os pontos que ficaram em suspenso, ir no encalço das idéias que nos vieram à mente mas que se teve de suprimir, ler outros livros, escrever ensaios E isto é sinal de que a tese ativou o seu metabolismo intelectual, que foi uma experiência positiva. É sinal, também, de que já se é vítima de uma coação no sentido de pesquisar, à maneira de Chaplin em Tempos Modernos, que continuava a apertar para fusos mesmo depois do trabalho: e será preciso um esforço para se refrear.
Foto: Pixabay |
Se, de qualquer forma, se dedicar a pesquisa, descobrirá que uma tese bem feita é um produto de que se aproveita tudo. Como primeira utilização você extrairá dela um ou vários artigos científicos ou mesmo um livro (com alguns aperfeiçoamentos). Mas com o correr do tempo voltará à tese para tirar dela material de citação, reutilizará as fichas de leitura usando partes que porventura não tenham entrado na redação final do primeiro trabalho; as partes que eram secundárias na tese surgirão como início de novos estudos... Pode mesmo suceder que você volte à sua tese dez anos depois. Porque ela ficará como o primeiro amor, e ser-lhe-á difícil esquecê-la. No fundo, será esta a primeira vez que você fez um trabalho científico sério e rigoroso, e isto não é experiência de somenos importância.